Falar de ética e cidadania na prestação das contas públicas é reconhecer uma necessária e coerente integração entre a postura do Estado que, mesmo sendo um ente abstrato, é personificado naqueles que o conduzem, somadas às expectativas positivas que colimam as esperanças dos indivíduos. São estas que os forçam a associar-se para transformar desejos em algo tangível e capaz de, nas suas pretensões, satisfazê-los. Estes elementos articulam-se com atitudes individualizadas baseadas nos costumes que, nada mais são, do que condutas morais enraizadas e absorvidas pela sociedade como referenciais comportamentais aceitáveis e capazes de impedir o que Tomas Hobbes chamou de "guerra de todos contra todos", e de promover a paz social.
Há controvérsias quando se procura relacionar ética e moral. Para alguns estudiosos do assunto são conceitos distintos, enquanto outros não veem nenhuma diferença entre os dois termos. A partir das minhas investigações, entendo que a moral está associada a costumes, que podem ser interpretados como habitualidade comportamental ou comportamentos reiterados e prolongados no tempo. Já a ética está associada ao modo de ser de uma pessoa, ao caráter do indivíduo. Assim, a ética está ligada à subjetividade humana, enquanto os costumes estão relacionados a comportamentos consolidados pela habitualidade - transformados em práticas coletivas que dispensam questionamentos.
Parafraseando o jurista brasileiro Fábio Konder Comparato na sua obra "Ética”, desde a Grécia Antiga filósofos como Platão, ao debater o comportamento do indivíduo na sociedade, realçavam a educação na fase infantil. Acrescento, prolongando no tempo até a fase adulta, que este é o melhor meio de formar a consciência cidadã. A consciência cidadã diz respeito à adesão às regras morais ("bons costumes"). É a contribuição do indivíduo para o bom funcionamento da corporação a que pertence e, neste caso, que é o que interessa a este artigo, para o bom funcionamento da sua ordem política. Podemos concluir que o indivíduo que não respeita os padrões de costume na sua corporação ou na ordem política estatal está incorrendo em desvios éticos. Aqui, a ética é entendida como atitude do indivíduo e os costumes como uma cultura comportamental coletiva.
A compreensão da importância das atitudes coerentes dos indivíduos - comportamento ético - frente à totalidade de indivíduos que compõem um Estado é fundamental para consolidar valores capazes de solidificar e, por consequência, legitimar a organização política de um povo. Isso não acontece por imposição, pois a harmonia social é resultado da adesão natural dos indivíduos a comportamentos sociais aceitáveis. Quero dizer: no mundo real, os costumes, mais do que as leis, são os responsáveis pela coesão social. Portanto, uma conduta ética é sempre modelada pela moral e não há como dissociar a moral dos costumes. Estes, por sua vez, estão umbilicalmente relacionados ao histórico cultural que une uma Nação.
É importante realçar que moral, costumes e unidade cultural são elementos fundantes dos atuais Estados Nacionais. De nada adiantará uma postura impositiva do Estado para modelar comportamentos editando leis, pois leis impostas na contramão dos costumes quase sempre são ineficazes. Por isso concordo com a ideia de que infeliz de um Estado que precisa editar muitas leis, pois a proliferação de normas impostas é sinal de falta de harmonia social.
*João Antonio da Silva Filho é advogado, Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e Diretor-Presidente da Escola de Contas “Conselheiro Eurípedes Sales”, do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.